9 de junho de 2012

Ivan Lessa, obituário



Ivan Lessa foi um escritor que não publicou muitos livros. Autores menos importantes ou mesmo de talento discutível publicaram mais obras. O que isso significa? Uma pena para nós, os leitores que ficamos. Porque na obra de Ivan Lessa,  de "Garotos da Fuzarca" a "Eles foram para Petrópolis", passando pelas coletâneas de crônicas "Ivan vê o mundo" e "O Luar e a Rainha", o leitor tem em mãos um escritor com pleno domínio da técnica da escrita. Ivan Lessa não foi um grande ensaísta (embora tenha publicado um relato importante sobre a imprensa brasileira, a propósito da revista "Senhor"), não era um pundit no sentido de formar opinião (ou de influenciar corações e mentes, ainda que tenha sido um nome importante para o jornal "O Pasquim"), assim como não foi um grande romancista. Ainda assim, Ivan Lessa foi um grande escritor. Essa era (e ainda é) a sensação que os leitores temos quando passamos por seus textos.

Há muito, o gênero crônica foi não somente vilipendiado, como também tomado de assalto por certo colunismo da imprensa brasileira. De repente, todo o jornal merece ter seu cronista; de repente, todos são cronistas; de repente, não mais que de repente, a crônica é um gênero que, mais do que papel, aceita tudo. Ivan Lessa, no entanto, ajudava a colocar tudo no seu devido lugar. Em tempo: ele não desejava que seu texto se assumisse como grande literatura. No entanto, seus textos - mesmo as colunas para a BBC Brasil - alcançam tamanha perfeição formal, no tratamento dos temas e no acabamento do estilo, que fica mesmo difícil saber como é possível encontrar tanto equilíbrio em uma forma breve.

Como jornalista e homem de letras do seu tempo, Ivan Lessa escrevia sobre tudo. Comentava autores, abordava o mundo da política internacional, estava atento ao cinema e, vejam só, sabia qual era o talk of the town mesmo na televisão. Trata-se da agenda comum dos cronistas, aqui e alhures. O que tornava seu texto original e peculiar era a marca de seu estilo, não visível em cacoetes de linguagem ou beletrismos terceiro-mundistas. Nesse sentido, a retórica era um de seus recursos favoritos - o que pode soar simplório, mas num país (como o Brasil) onde os humoristas são levados a sério e os índices de leitura são risíveis, talvez seja o caso de reavaliar nossas primeiras impressões.

Pode-se afirmar que Ivan Lessa estivesse esquecido mesmo entre os autores e leitores brasileiros, a não se por aqueles de sempre que acompanhavam suas publicações na revista "Playboy", ou na "Piauí", ou, há pouco mais de uma década, no suplemento cultural do jornal "A Gazeta Mercantil", ainda sob o comando de Daniel Piza. Recentemente, foi Luiz Schwarcz quem comentou sobre a importância de Lessa - e foi pela editora dele, a Companhia das Letras, que três dos quatro livros de Lessa foram publicados. Quem se lembrou sempre de Ivan Lessa: Diogo Mainardi, em suas entrevistas, não hesitava em dar crédito a Ivan Lessa, responsável por sua invenção como leitor e, de certa maneira, como escritor.

Aos 77 anos, morreu Ivan Lessa, notável escritor e jornalista brasileiro.