1 de agosto de 2012

Um ensaio sobre a obra de Hermann Broch


No mês de julho (vejam só o tom "minhas férias" do texto), tive um desses fantásticos prazeres que a leitura oferece: atravessei a trilogia sonâmbula de Hermann Broch (foto), autor publicado no Brasil recentemente pela editora Benvirá. E o resultado, agora, está no longo ensaio que escrevi para o Jornal Rascunho, na edição de agosto.

Abaixo, um fragmento do texto:

A trilogia sonâmbula foi publicada na primeira metade do século 20, mas poucos tiveram acesso à densidade e à relevância da obra porque, como escreve o pesquisador Donald Wallace na sua dissertação para a Universidade da Califórnia (The death of civilization: ethics and politics in the work of Hermann Broch), o momento do lançamento dos livros de Broch coincidiu com a ascensão do nazismo na Alemanha, prejudicando o acesso e a repercussão que a obra deveria ter. Contudo, como se lerá a seguir, não é exagero a constatação de que os livros de Broch “hão de ficar e dar o testemunho acerca de nossa época”. Em tempo: o comentário é de outro gigante do século 20, o escritor Thomas Mann.

A íntegra do ensaio você encontra na versão impressa do Jornal Rascunho ou, claro, clicando aqui

22 de junho de 2012

Watergate, 40 anos depois





Assim como acontece no Brasil, a imprensa norte-americana, de quando em quando, também celebra suas efemérides. Em junho de 2012, a página do Washington Post (estou sem acesso à versão impressa) destaca os 40 anos do escândalo de Watergate. A despeito do canibalismo que sói aos abutres do jornalismo, seria banal esse tipo de comemoração. Afinal, quantos escândalos políticos já não foram noticiados e receberam atenção dos meios de comunicação e, mesmo assim, não mereceram a mesma estima ou deferência? E o motivo para isso é simples: o escândalo de Watergate não apenas fez com que o presidente Richard Nixon renunciasse ao cargo em agosto de 1974, mas, também, inventou, no imaginário dos leitores e dos consumidores de informação, uma espécie de modelo de jornalista e de reportagem investigativa.

         Tanto é assim que, 40 anos depois, o escândalo ainda parece bastante nebuloso para os leitores de hoje. Dito de outra forma, não fica claro, à primeira vista, o que foi que aconteceu de forma cristalina, de maneira que a explicação dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein ainda seria necessária nos dias de hoje. Mais do que isso, em que pesem os avanços das novas tecnologias e a mobilização das mídias sociais (espécie de lugar-comum nos escândalos políticos de hoje), a investigação jornalística, isto é, o trabalho de apuração e de checagem de informação, que deve ser realizado de forma totalmente prosaica, ainda seria elementar mesmo no século XXI. Ora, se a essência do jornalismo não mudou, por que será que temos a sensação de que o trabalho da imprensa anda cada vez mais engessado, com amarras que, muitas vezes, impedem a elaboração de investigações de fôlego como aquela? No parágrafo a seguir, algumas hipóteses.
           
             Em primeiro lugar, existe o consenso, entre crítica especializada, jornalistas e leitores de que o a produção noticiosa hoje em dia está mais burocratizada. Em outras palavras, é como se as etapas para a produção de notícia, ao mesmo tempo em que ganharam com os já citados avanços tecnológicos, foram de tal sorte enrijecidos pela forma que o conteúdo parece sempre o mesmo. Com isso, repórteres, fontes, lobistas e principais envolvidos já se acostumaram com a divulgação dos escândalos que, de quando em quando, assaltam o noticiário. Assim, as assessorias de imprensa – e aqui não se quer vilipendiar o trabalho de quem emprega cerca de 70% dos jornalistas formados no Brasil – já premeditam a ação dos jornalistas, que, por sua vez, seguem um roteiro padrão das redações. Se, à época de Watergate, o trabalho era na sua maior parte feito na rua, hoje em dia o repórter faz isso das redações, consultando fontes da internet ou mesmo programas avançados desenvolvidos com softwares adquiridos a preço de ouro nas redações. Não por acaso, o trabalho de sites como o Wikileaks só é possível graças ao uso de tecnologias bastante avançadas. O trabalho não é de pior qualidade por isso. Pelo contrário, houve mais ganho do que perda com isso. Todavia, é mais do que necessário lembrar o adágio de grandes jornalistas, a saber: o lugar de repórter é na rua, e não no gabinete.


        Outra hipótese a ser considerada é a transformação do noticiário em um tribunal fast track. Pensem, por exemplo, numa reportagem sobre um escândalo político, e o roteiro é invariavelmente o mesmo. Existe o frenesi do furo nos primeiros dias, a repercussão pública nas semanas seguintes, o ataque desmedido dos pundits e dos formadores de opinião, o assassinato de reputações, o contra-ataque por parte dos envolvidos e, por fim, uma lavagem de roupa suja em praça pública, descreditando, muitas vezes, o trabalho dos meios de comunicação. O caso Dominique Strauss-Kahn parece exemplar nesse sentido. Entre a notícia e o desmentido, não há tempo ou mesmo interesse em absorver o conteúdo da notícia. O objetivo, assim parece, é para que os papéis de culpados e de inocentes sejam rapidamente preenchidos. Com isso, o público tem pouco tempo para absorver os acontecimentos e mesmo o desenvolvimento das histórias. Para citar um exemplo que serve de referência em caso de escândalo político, vale a pena mencionar o Mensalão. Noticiado pela primeira vez em 2005, o caso, que ainda hoje enfrenta uma guerra de narrativas travada pelos partidos da oposição e da situação, jamais foi tão bem explicado como em recente reportagem publicada por Daniela Pinheiro na revista Piauí sobre Delúbio Soares. Isso significa que o caso já foi totalmente explicado? Nada disso. Serve tão somente para mostrar o óbvio ululante: temas de grande complexidade exigem um mergulho e um tempo para o qual não necessariamente estamos preparados num mundo tão fragmentado como o de hoje. Dito de outro modo: até desejamos ler reportagens assim, mas, cada vez mais, esses escândalos exigem didatismo e uma dedicação dos veículos que não está de pronto dado pela ordem de mundo da contemporaneidade. E isso está ligado, talvez, com a última hipótese, que segue no parágrafo a seguir.

        É certo que os leitores de hoje tem mais acesso às informações e, tanto quanto isso, a uma infinidade de textos que pululam na internet. Isso, sem dúvida, é excelente. Todavia, cada vez mais, o tipo de conteúdo que os leitores buscam na web é aquele que endossa seu ponto de vista acerca de determinado assunto. Daí que a própria ideia do contraditório acaba se pervertendo, porque ora é o cumprimento cínico e burocrático do trabalho jornalístico, ora é solenemente ignorado pelo comentarista de plantão, que prefere o spinning, a distorção dos acontecimentos e o adjetivo à análise mais sofisticada do que aconteceu. Aos leitores que têm dúvida disso, faço o convite para a leitura dos comentários dos blogs e sites noticiosos. É a porta de entrada para a caixa de pandora. Os leitores estão sempre dispostos a investir no comportamento mais permissivo e acelerar em direção aos instintos mais primitivos em vez da razão. À época de Watergate, antes de Richard Nixon renunciar e ser escorraçado do mundo político, houve um levantamento do que efetivamente aconteceu. O trabalho da imprensa, nesse sentido, se notabilizou por servir de auxílio ao cumprimento das regras. Hoje, quando um blogueiro investe num ataque às autoridades constituídas, pode-se dizer que o público perde com a falta de civilidade que só faz crescer de lado a lado.

        O curioso disso tudo é que a origem desses problemas está mesmo na repercussão do caso Watergate, que, de fato, forjou um tipo ideal de jornalista no imaginário coletivo. Trata-se da figura que, graças aos seus contatos e à proximidade que mantém junto ao poder, é capaz de “derrubar”, inclusive, o presidente da República. Chama a atenção, nesse sentido, o fato de que, mesmo no Brasil, alguns escândalos assumiram a nomenclatura daquele ocorrido nos Estados Unidos: Collorgate, Frangogate etc. Watergate representou um marco não apenas para o jornalismo dos Estados Unidos, mas, essencialmente, para a ideia que se faz de qual deve ser o comportamento da imprensa, sempre vigilante e a todo momento à cata de uma notícia que pode mudar os rumos de um país. Como consequência, os jornalistas se tornaram celebridades a ponto de seu retrato, no cinema principalmente, tornar-se ligeiramente favorável. O modelo sempre é “Todos os Homens do Presidente”, mas mesmo num filme de intriga política, como é o caso de “O Dossiê Pelicano”, baseado na obra de John Grisham, o herói é o homem de imprensa. Mais recentemente, algumas peças tentaram relativizar esse ethos forjado nas décadas de 1970 e 1980, mas mesmo em “O informante”, talvez o melhor filme sobre jornalismo, se a mídia que pertence aos grandes conglomerados é fortemente criticada, ao jornalista que mantém suas raízes e sua fé no interesse público, nada menos que o protagonismo de Al Pacino serve como papel de representação.

             Há quatro décadas, o jornalismo norte-americano marcou um gol de qualidade incontestável para a imprensa mundial. Ainda hoje, somos beneficiados pela pertinência e pelo faro daqueles repórteres que não cessaram em desvendar o mistério do assalto à sede do Partido Democrata. Ainda hoje, devemos ser gratos pela coragem de Katharine Graham, editora do Washington Post n naquele período. Tão importante quanto a efeméride é a lembrança de que o jornalismo não pode sucumbir aos tiques e à zona de conforto e, enfim, para que possa ser percebido pelos seus leitores.



9 de junho de 2012

Ivan Lessa, obituário



Ivan Lessa foi um escritor que não publicou muitos livros. Autores menos importantes ou mesmo de talento discutível publicaram mais obras. O que isso significa? Uma pena para nós, os leitores que ficamos. Porque na obra de Ivan Lessa,  de "Garotos da Fuzarca" a "Eles foram para Petrópolis", passando pelas coletâneas de crônicas "Ivan vê o mundo" e "O Luar e a Rainha", o leitor tem em mãos um escritor com pleno domínio da técnica da escrita. Ivan Lessa não foi um grande ensaísta (embora tenha publicado um relato importante sobre a imprensa brasileira, a propósito da revista "Senhor"), não era um pundit no sentido de formar opinião (ou de influenciar corações e mentes, ainda que tenha sido um nome importante para o jornal "O Pasquim"), assim como não foi um grande romancista. Ainda assim, Ivan Lessa foi um grande escritor. Essa era (e ainda é) a sensação que os leitores temos quando passamos por seus textos.

Há muito, o gênero crônica foi não somente vilipendiado, como também tomado de assalto por certo colunismo da imprensa brasileira. De repente, todo o jornal merece ter seu cronista; de repente, todos são cronistas; de repente, não mais que de repente, a crônica é um gênero que, mais do que papel, aceita tudo. Ivan Lessa, no entanto, ajudava a colocar tudo no seu devido lugar. Em tempo: ele não desejava que seu texto se assumisse como grande literatura. No entanto, seus textos - mesmo as colunas para a BBC Brasil - alcançam tamanha perfeição formal, no tratamento dos temas e no acabamento do estilo, que fica mesmo difícil saber como é possível encontrar tanto equilíbrio em uma forma breve.

Como jornalista e homem de letras do seu tempo, Ivan Lessa escrevia sobre tudo. Comentava autores, abordava o mundo da política internacional, estava atento ao cinema e, vejam só, sabia qual era o talk of the town mesmo na televisão. Trata-se da agenda comum dos cronistas, aqui e alhures. O que tornava seu texto original e peculiar era a marca de seu estilo, não visível em cacoetes de linguagem ou beletrismos terceiro-mundistas. Nesse sentido, a retórica era um de seus recursos favoritos - o que pode soar simplório, mas num país (como o Brasil) onde os humoristas são levados a sério e os índices de leitura são risíveis, talvez seja o caso de reavaliar nossas primeiras impressões.

Pode-se afirmar que Ivan Lessa estivesse esquecido mesmo entre os autores e leitores brasileiros, a não se por aqueles de sempre que acompanhavam suas publicações na revista "Playboy", ou na "Piauí", ou, há pouco mais de uma década, no suplemento cultural do jornal "A Gazeta Mercantil", ainda sob o comando de Daniel Piza. Recentemente, foi Luiz Schwarcz quem comentou sobre a importância de Lessa - e foi pela editora dele, a Companhia das Letras, que três dos quatro livros de Lessa foram publicados. Quem se lembrou sempre de Ivan Lessa: Diogo Mainardi, em suas entrevistas, não hesitava em dar crédito a Ivan Lessa, responsável por sua invenção como leitor e, de certa maneira, como escritor.

Aos 77 anos, morreu Ivan Lessa, notável escritor e jornalista brasileiro.

4 de junho de 2012

O artificialismo de Joyce Carol Oates

Escrevi um texto sobre o mais recente livro de Joyce Carol Oates ("O Pássaro do Paraíso"), publicado no Brasil pela Alfaguara. Boa parte da crítica foi bastante elogiosa ao livro. Eu gostei do texto, mas achei que há algo ali que não fecha, como sugere o trecho a seguir da resenha, publicada originalmente na edição de junho do "Rascunho":

E é quando eles se encontram que a verve da prosa da autora salta aos olhos do leitor, conquistando território pelos estímulos e pelas imagens poderosamente concebidas. Em geral, poucos escritores investem na prosa erótica, sob pena de ficarem marcados pelo excesso ou pela vulgaridade. A narrativa de Carol Oates não entende o sexo como tabu. Antes, o percebe como passaporte para a atração (do leitor). Trata-se de um grande momento do livro, exatamente pelo que deixa revelar, como um decote: “Vi a fome também naqueles olhos: o macho sexualmente agressivo, sem a total certeza de seu poder sobre mim, sobre a pessoa que me tornara. Me perguntei se ele estava lembrando: a antiga ligação entre nós”. Mais uma vez, agora na terceira parte do livro, Oates caminha calculadamente. Só que agora o texto propõe uma narrativa que oscila entre os instintos mais primitivos e a mensagem pretensamente cifrada. Ocorre que a essa altura o leitor já conhece o vínculo entre os personagens. Assim, é lícito perguntar: será que as cenas que serviriam como acessório não estão funcionando como principal esteio da narrativa? A pergunta soa despropositada quando alcançamos o final do livro, exatamente porque, escritora talentosa, Joyce Carol Oates produz um efeito sem causa. Um romance que tem muito a dizer pela sua qualidade narrativa, mas que, ao final, se constitui pela força do artificialismo.


Leia o texto completo aqui

2 de maio de 2012

Pedro Nava, o narrador da memória




Para a edição de maio do "Rascunho", escrevi um ensaio sobre o escritor-memorialista Pedro Nava, sem dúvida um dos principais autores brasileiros do século XX.

Abaixo, um excerto do texto que está na íntegra no site do "Rascunho":

Se a crônica como gênero literário parece ter sido efetivamente tomada de assalto pelos próceres do jornalismo, a ponto de mesmo os teóricos da comunicação e os professores de literatura na desafiadora missão de formar leitores seqüestrarem o gênero, concedendo apenas uma definição possível a esse texto — a saber: um híbrido entre jornalismo e literatura, tomando emprestado desta o estilo e daquele o assunto —, é melhor não pensar nessa definição estanque ao ler Pedro Nava. Isso porque chamá-lo de cronista, neste caso, é diminuir por demais seu empreendimento estético, haja vista que não é o autor que tenta se moldar aos temas abordados, como que deformando o estilo para comportar a forma. O processo é exatamente inverso. É o tema que se transforma sob sua carpintaria literária, pois, com sua prosa fluida e sofisticada, o escritor envolve o leitor num universo íntimo e pessoal, desses que são capazes de alienar a audiência do mundo sensível que o cerca.


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9 de abril de 2012

Mike Wallace, obituário



Mike Wallace está morto. E, grosso modo, os jornais apenas destacaram de forma laudatória o fato de Wallace ter sido um dos jornalistas mais prestigiados de sua geração (com direito a 21 prêmios Emmy), além de apresentador do grande “60 Minutes”, um modelo exemplar de jornalismo investigativo no século XX.

Se você, leitor, por acaso, não ouviu falar do “60 Minutes”, isso se deve ao fato de que o jornalismo de TV hoje em dia está por demais condenado ao debate ideológico entre democratas e republicanos, como sabe quem acompanha um pouco do embate entre MSNBC e FOX News, para citar um exemplo. Nesse cenário, pundits como Bill Maher, com seu humor caustico, e Bill O`Reilly, com sua argúcia argumentativa, servem bem ao propósito de suas audiências – que não é necessariamente de se informar, mas sim de encontrar eco em seus pontos de vista extremados. Adiante.

A geração de Mike Wallace fazia outra linhagem de jornalismo. Não havia, ali, tanta necessidade de opinião; a retórica não era agressiva; o exemplo máximo de embate político era em torno de questões de fundo; no imaginário da audiência, havia a percepção de que o jornalismo buscava de forma incontestável a verdade. Entre outros programas (poderíamos citar, aqui, O "Meet the Press", com o também já falecido Tim Russert), essa credibilidade era representada por uma atração como o “60 Minutes”. Atualmente, essa percepção está abalada.

Curiosamente, um dos petardos contra a credibilidade desse jornalismo old school veio de dentro. Quem assistiu ao filme “The Insider” entende que as relações perigosas entre público e privado alteraram profundamente a crença de que existia, de fato, uma separação entre “Estado e Igreja”, e o discurso do próprio Wallace, representado nas telas por Christopher Plummer, é singular nesse sentido. Lowell Bergman ficou envaidecido pela versão que Al Pacino lhe deu no cinema, mas o restante da equipe, Mike Wallace incluído, não gostou tanto assim da maneira como o programa foi retratado pelas lentes de Michael Mann, o diretor do filme (e este é assunto para outro texto, sobre o filme “O informante”, que deverei escrever em breve).

O jornalismo do século XXI, principalmente o jornalismo de TV, sofre com baixa adesão de um público, que, mais cínico e supostamente mais informado, entende que as corporações interferem na maneira como as notícias são concebidas. Corrobora para essa tese o fato de que, boa parte dos âncoras aqui e alhures, tão somente atuam como leitores de teleprompter, colocando na mesma balança informação e entretenimento – o mesmo tom grave concedido às tragédias das enchentes no Brasil é utilizado para tratar de uma final de um torneio esportivo. Qual é a diferença? Ora, eis o ponto: para a televisão, não existe essa diferença. É o verdadeiro balcão de secos e molhados.

Agora, a onda é a da falsa polêmica, da controvérsia vazia, do humor com pretensão politicamente incorreto, mas, no limite, falta conteúdo e coragem. Achincalhar e jogar para a torcida parecem a tônica desse humor a favor travestido de jornalismo de atrações como “CQC” ou da indignação dos bons sentimentos de “A Liga”. Em síntese, para pegar leve, esse é um híbrido de jornalismo e reality show, com humor, com lágrimas, mas sem o rigor e a seriedade necessárias que a tradição de "60 Minutes", com todos os seus problemas, deixou como legado.

Mike Wallace morreu. E no dia de sua morte se comemorava no Brasil o dia do jornalista.

3 de abril de 2012

Lima Barreto pede passagem

Escrevi, para o Rascunho de abril, uma resenha sobre o livro de Luciana Hidalgo, "O Passeador", que traz como protagonista Afonso, uma espécie de versão low profile (?) do escritor carioca Lima Barreto. À sua época, o autor de "Triste Fim do Policardo Quaresma" parecia deslocado do mundo em que vivia, e o livro de Hidalgo, escritora e especialista na obra de Lima Barreto, soube trazer isso de forma bastante lúcida numa prosa bem elaborada.

Eis um trecho da resenha:

"(...) O livro de Luciana Hidalgo presta homenagem à altura ao escritor Lima Barreto, haja vista que a autora também se propõe a escrever de forma clara e lúcida, sem descuidar de certo apuro na forma. É bom que se diga: dos escritores brasileiros contemporâneos, incluindo aí alguns premiados, poucos conseguem manejar o texto em prosa de forma a um só tempo bem elaborada e com recurso de imaginação literária. Dito de outra maneira, embora o tema do livro em si seja bastante pertinente, é pela forma que a narrativa conquista o leitor".

Leia mais aqui

Em tempo: em abril, o Rascunho comemora 12 anos.

28 de março de 2012

Millôr Fernandes (1924-2012)




Hesitei bastante antes de escrever uma nota sobre Millôr Fernandes, esse autor genial que morreu nesta quarta-feira, dia 28. Isso porque é quase impossível não cair nos clichês numa hora dessas - e, de certa forma, acusar o clichê já é mesmo um lugar-comum.

De maneira semelhante, escrever sobre Millôr Fernandes nesse momento é um exercício inútil de tentar sintetizar uma obra vasta. Crônicas, artigos, haikais, aforismos.

Daí que, talvez, a melhor forma de homenagear esse gigante é citar uma de suas frases mais conhecidas, porém, ainda hoje, necessária e definitiva: "Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados".

RIP, Millôr.

24 de março de 2012

Camus, sobre a liberdade de imprensa


Albert Camus foi, certamente, um dos principais intelectuais do século XX. Dono de um talento singular, o pensador e romancista franco-argelino assinou obras de valor permanente para a literatura e cultura universais, como "O Estrangeiro"; "A Peste"; sem mencionar os ensaios, como "O Mito de Sísifo"; e peças de teatro, como "Calígula". É um autor, portanto, que merece mais atenção do que um mero post nesse blog/coletânea que mantenho de forma irregular.

De qualquer modo, vale a pena refletir sobre o que o Camus escreveu sobre liberdade de imprensa. Na última semana, o jornal francês Le Monde trouxe um artigo muito apropriado acerca dessa questão. O texto estava num arquivo, ao que parece esquecido, em Aix-en-Provence. Veio à tona a partir do trabalho de Macha Sery. Em síntese, o texto discorre sobre o que Camus considera os quatro mandamentos do jornalista livre: lucidez, recusa, ironia e obstinação.

Abaixo, segue o trecho que reputo como um dos mais brilhantes no artigo. Para o escritor, a ironia era uma arma sem precedentes contra os mais poderosos:

Il reste donc que l'ironie demeure une arme sans précédent contre les trop puissants. Elle complète le refus en ce sens qu'elle permet, non plus derejeter ce qui est faux, mais de dire souvent ce qui est vrai.

Leia o texto completo aqui, na página do Le Monde

Em tempo: a Folha de S.Paulo deste domingo, dia 25/03, traz o texto traduzido para o português brasileiro.

22 de março de 2012

Por uma (outra) história das guerras...

Acaba de ser publicada, no Amálgama, uma resenha que escrevi sobre o livro de David A. Bell: "Primeira Guerra Total", editado no Brasil pela Record. A obra privilegia um olhar educado e alentado acerca das origens da guerra como nós a conhecemos hoje --- isto é, pelo menos, de como a percebemos atualmente.

Eis um trecho do texto:

Bell observa como essas tentativas foram importantes para forjar um sentimento antibelicista que, àquela altura, não era natural como em nossos dias. Em tempos como o de hoje, as manifestações que investem na estratégia militar são, geralmente, vilipendiadas pelos formadores de opinião, sendo que nem mesmo as razões de estado são levadas em consideração. Nesse sentido, o livro do historiador pode ser entendido como um excelente inventário da história das ideias no Ocidente, haja vista que a relação entre guerra e discurso político é notável no livro.

Leia a resenha completa aqui.

8 de março de 2012

Alexis de Tocqueville sobre as Revoluções...

Entre outros acontecimentos, 2011 marcou o retorno de certa onda de manifestações populares a propósito dos mais variados motivos: no Brasil, contra a corrupção; nos EUA, contra os 1% mais ricos; no mundo árabe, contra os ditadores que insistiam em permanecer no comando daqueles países. Houve, certamente, comoção e mistificação acerca do que acontecia. Nesse contexto, nada mais oportuno do que a leitura de Alexis de Tocqueville no magistral "Lembranças de 1848".

É certo que as lembranças de Alexis de Tocqueville, da maneira como estão registradas no livro, dão conta de um cenário bastante específico, aquele que envolve o ambiente político do período da Revolução de 1848. Acerca desse acontecimento, Renato Janine Ribeiro, autor do prefácio e das notas que acompanham o livro, escreveu que se trata da primeira revolução socialista. Nesse particular, é notável observar como o pensador francês estabelece sua pensata sobre os bastidores daquele evento político. Em outras palavras, Tocqueville reconstitui historicamente o que houve na França pré-revolucionária, e, ao mesmo tempo, propõe olhar arguto e analítico dos fatos e dos principais personagens daquele período (...)

Publiquei essa resenha no Rascunho. Leia mais aqui.

1 de março de 2012

Vento Sul, de Vilma Arêas

Na edição de março do Rascunho, uma resenha sobre o novo livro de Vilma Arêas, "Vento Sul".

Eis um trecho do texto

Ao operar no plano simbólico, com efeito, Vilma Arêas ensaia uma literatura que está mais próxima das ficções, na melhor companhia e tradição estabelecida pelo argentino Jorge Luis Borges. Em tempo: não se quer aqui dizer que a autora emula o estilo ou mimetiza o modelo narrativo do escritor argentino (até porque, se assim o fosse, a obra seria apenas uma paródia). O ponto-chave é que o livro de Arêas, de uma só vez, se descola do conto como gênero tradicional, migrando, aí sim, para aquela acepção concebida por Borges.

Leia o texto completo aqui.

Na mesma edição, há uma entrevista com a autora, conduzida por mim e por Rogério Pereira, editor do Rascunho.

No trecho a seguir, Vilma Arêas comenta sobre a instabilidade da classificação dos gêneros (algo que fez com que "Vento Sul" fosse acompanhado da expressão ficções logo na capa):

Definições são sempre convencionais, é difícil ter certeza. Mário de Andrade afirmou que conto é o que o autor chama de conto. Desse ponto de vista, às vezes, escrevo contos, às vezes talvez não. Na verdade, o gênero vem sofrendo mudanças no correr do tempo, principalmente a partir de Tchekhov, que morreu em 1904, com 44 anos. Hoje é considerado no mundo todo, a começar por Virginia Woolf e Katherine Mansfield, que tiveram consciência da profunda revolução no conto tradicional, promovida pelo escritor russo. Mas no início da carreira, vejam só, as revistas devolviam seus trabalhos sob a alegação de que eram desinteressantes

Leia "Vento Forte", a entrevista concedida por Vilma Arêas, aqui.

28 de fevereiro de 2012

Virginia Woolf em duas biografias

Nos estertores de 2011, escrevi um texto para o Rascunho sobre duas biografias de Virginia Woolf. De fato, e até pela repercussão da resenha, republicado em vários sites/blogs na internet, confirmo minha impressão de que a vida da escritora é, para os leitores contemporâneos, tão ou mais interessante do que sua obra.

Eis o trecho final da resenha:

Num momento em que as informações sobre as trajetórias das personagens históricas estão disponíveis para o leitor com alguns cliques de distância na internet, seja nas enciclopédias virtuais, seja nas páginas pessoais que lotam o tráfego na internet, os livros de Herbert Marder e Alexandra Lemasson, em que pesem suas diferentes abordagens, acabam por se complementar, posto que trazem fundamento para a pesquisa sobre a vida e obra de Virginia Woolf — muito embora apenas o livro de Marder responda de forma mais completa à necessidade de mais uma biografia: ou seja, a análise do autor possibilita ao leitor um mergulho mais profundo, e sem medo (!), na densa obra de Virginia Woolf.

Leia o texto completo aqui.

26 de fevereiro de 2012

Sobre educação

Há alguns anos, escrevi, para a Revista Ensino Superior, um artigo sobre educação em tempos de mídias sociais e internet. É claro que, hoje em dia, boa parte das referências ali listadas fazem pouco sentido, sem mencionar o fato de que Twitter e Facebook, agora vedetes, sequer foram citados.

De qualquer maneira, o texto ainda tem seu lugar de ser, sobretudo porque a questão de ordem, a leitura, permanece como pré-requisito para a atividade intelectual. E naquele artigo esse era o pano de fundo:

Imaginar que os educadores têm de pensar estratégias criativas e inovadoras para atender às demandas tecnológicas dos alunos não parece, assim, a opção mais indicada. Pois o papel do educador e das instituições de ensino não mudou, embora as tecnologias tenham avançado. Prova disso é o sucesso "inesperado" do Instituto Dom Barreto, de Teresina, no Piauí, que obteve a melhor média geral do Enem. O segredo do sucesso? Entre a biblioteca com mais de 90 mil exemplares e a carga horária de estudos de mais de sete horas diárias, cumpre destacar a exigência de que seus alunos leiam 20 livros por ano. Pergunte agora quantos a geração YouTube, com seus iPods e Ragnaroks, terá lido. Quem está em sala de aula sabe a resposta. 

Leia o artigo completo aqui

24 de fevereiro de 2012

Uma imagem às sextas - Separação
















Adaptando a ideia de um blog que mantive por algum tempo, sejam apresentados à seção "uma imagem às sextas". O princípio é o seguinte: acrescentar pinturas e fotografias que, de alguma forma, sejam pertinentes, tanto pela sua expressividade formal quanto por seu conteúdo (alguns diriam "mensagem"...). Enfim, é para desanuviar a sexta-feira.

Em lembrança ao Oscar que vem aí, segue a imagem de um filme perturbador. "A Separação"




23 de fevereiro de 2012

Bom dia para nascer

Abaixo, dois trechos de minhas últimas colaborações para o Rascunho. O primeiro é um fragmento da entrevista concedida por Humberto Werneck sobre a obra de Otto Lara Resende, que está sendo reeditada pela Cia das Letras.

"A crônica, como lembrou Antonio Candido, certamente não é um gênero “maior”. Essa constatação, porém, não deveria autorizar o desprezo com que muitos intelectuais, e não só acadêmicos, tratam o gênero. Para dizer como o sambista: pra que tanta panca, doutor? Seria ótimo se em vez disso eles nos dessem, em que gênero fosse, alguma coisa bela e perene como, por exemplo, tantas crônicas de Rubem Braga, um grande escritor que, se não me engano, atravessou toda uma vida sem receber um grande prêmio literário".
Leia a entrevista completa aqui

O outro texto é o ensaio que escrevi a partir dos dois livros lançados pela Companhia das Letras de Otto Lara Resende: "O Rio é tão longe", coletânea de cartas, e "Bom dia para nascer", coletânea de crônicas - by the way, roubei o título de Otto para esse post inaugural.

(...) De fato, temos no Brasil esse gênero sui generis que é a crônica. Talvez pela leveza de sua abordagem, existe uma espécie de consenso em torno da crítica especializada de que se trata de um gênero não somente menor, mas de pouca elaboração estilística. E é verdade que alguns casos podem comprovar esse cenário pouco sofisticado para as letras nacionais. No entanto, em Otto Lara Resende, temos a crônica no seu formato mais preciso, de um texto capaz de seduzir o leitor pela aparente frivolidade, mas que, olhando de perto, está mais relacionado a um tipo de conversa que não se tem mais. Mesmo agora, com o fenômeno das mídias sociais, existe a sensação de que se vive uma nova era da conversação (...)

Leia o ensaio completo aqui