1 de agosto de 2012
Um ensaio sobre a obra de Hermann Broch
No mês de julho (vejam só o tom "minhas férias" do texto), tive um desses fantásticos prazeres que a leitura oferece: atravessei a trilogia sonâmbula de Hermann Broch (foto), autor publicado no Brasil recentemente pela editora Benvirá. E o resultado, agora, está no longo ensaio que escrevi para o Jornal Rascunho, na edição de agosto.
Abaixo, um fragmento do texto:
A trilogia sonâmbula foi publicada na primeira metade do século 20, mas poucos tiveram acesso à densidade e à relevância da obra porque, como escreve o pesquisador Donald Wallace na sua dissertação para a Universidade da Califórnia (The death of civilization: ethics and politics in the work of Hermann Broch), o momento do lançamento dos livros de Broch coincidiu com a ascensão do nazismo na Alemanha, prejudicando o acesso e a repercussão que a obra deveria ter. Contudo, como se lerá a seguir, não é exagero a constatação de que os livros de Broch “hão de ficar e dar o testemunho acerca de nossa época”. Em tempo: o comentário é de outro gigante do século 20, o escritor Thomas Mann.
A íntegra do ensaio você encontra na versão impressa do Jornal Rascunho ou, claro, clicando aqui
22 de junho de 2012
Watergate, 40 anos depois
Assim como acontece no Brasil, a imprensa norte-americana, de quando em quando, também celebra suas efemérides. Em junho de 2012, a página do Washington Post (estou sem acesso à versão impressa) destaca os 40 anos do escândalo de Watergate. A despeito do canibalismo que sói aos abutres do jornalismo, seria banal esse tipo de comemoração. Afinal, quantos escândalos políticos já não foram noticiados e receberam atenção dos meios de comunicação e, mesmo assim, não mereceram a mesma estima ou deferência? E o motivo para isso é simples: o escândalo de Watergate não apenas fez com que o presidente Richard Nixon renunciasse ao cargo em agosto de 1974, mas, também, inventou, no imaginário dos leitores e dos consumidores de informação, uma espécie de modelo de jornalista e de reportagem investigativa.
9 de junho de 2012
Ivan Lessa, obituário
Ivan Lessa foi um escritor que não publicou muitos livros. Autores menos importantes ou mesmo de talento discutível publicaram mais obras. O que isso significa? Uma pena para nós, os leitores que ficamos. Porque na obra de Ivan Lessa, de "Garotos da Fuzarca" a "Eles foram para Petrópolis", passando pelas coletâneas de crônicas "Ivan vê o mundo" e "O Luar e a Rainha", o leitor tem em mãos um escritor com pleno domínio da técnica da escrita. Ivan Lessa não foi um grande ensaísta (embora tenha publicado um relato importante sobre a imprensa brasileira, a propósito da revista "Senhor"), não era um pundit no sentido de formar opinião (ou de influenciar corações e mentes, ainda que tenha sido um nome importante para o jornal "O Pasquim"), assim como não foi um grande romancista. Ainda assim, Ivan Lessa foi um grande escritor. Essa era (e ainda é) a sensação que os leitores temos quando passamos por seus textos.
Há muito, o gênero crônica foi não somente vilipendiado, como também tomado de assalto por certo colunismo da imprensa brasileira. De repente, todo o jornal merece ter seu cronista; de repente, todos são cronistas; de repente, não mais que de repente, a crônica é um gênero que, mais do que papel, aceita tudo. Ivan Lessa, no entanto, ajudava a colocar tudo no seu devido lugar. Em tempo: ele não desejava que seu texto se assumisse como grande literatura. No entanto, seus textos - mesmo as colunas para a BBC Brasil - alcançam tamanha perfeição formal, no tratamento dos temas e no acabamento do estilo, que fica mesmo difícil saber como é possível encontrar tanto equilíbrio em uma forma breve.
Como jornalista e homem de letras do seu tempo, Ivan Lessa escrevia sobre tudo. Comentava autores, abordava o mundo da política internacional, estava atento ao cinema e, vejam só, sabia qual era o talk of the town mesmo na televisão. Trata-se da agenda comum dos cronistas, aqui e alhures. O que tornava seu texto original e peculiar era a marca de seu estilo, não visível em cacoetes de linguagem ou beletrismos terceiro-mundistas. Nesse sentido, a retórica era um de seus recursos favoritos - o que pode soar simplório, mas num país (como o Brasil) onde os humoristas são levados a sério e os índices de leitura são risíveis, talvez seja o caso de reavaliar nossas primeiras impressões.
Pode-se afirmar que Ivan Lessa estivesse esquecido mesmo entre os autores e leitores brasileiros, a não se por aqueles de sempre que acompanhavam suas publicações na revista "Playboy", ou na "Piauí", ou, há pouco mais de uma década, no suplemento cultural do jornal "A Gazeta Mercantil", ainda sob o comando de Daniel Piza. Recentemente, foi Luiz Schwarcz quem comentou sobre a importância de Lessa - e foi pela editora dele, a Companhia das Letras, que três dos quatro livros de Lessa foram publicados. Quem se lembrou sempre de Ivan Lessa: Diogo Mainardi, em suas entrevistas, não hesitava em dar crédito a Ivan Lessa, responsável por sua invenção como leitor e, de certa maneira, como escritor.
Aos 77 anos, morreu Ivan Lessa, notável escritor e jornalista brasileiro.
4 de junho de 2012
O artificialismo de Joyce Carol Oates
E é quando eles se encontram que a verve da prosa da autora salta aos olhos do leitor, conquistando território pelos estímulos e pelas imagens poderosamente concebidas. Em geral, poucos escritores investem na prosa erótica, sob pena de ficarem marcados pelo excesso ou pela vulgaridade. A narrativa de Carol Oates não entende o sexo como tabu. Antes, o percebe como passaporte para a atração (do leitor). Trata-se de um grande momento do livro, exatamente pelo que deixa revelar, como um decote: “Vi a fome também naqueles olhos: o macho sexualmente agressivo, sem a total certeza de seu poder sobre mim, sobre a pessoa que me tornara. Me perguntei se ele estava lembrando: a antiga ligação entre nós”. Mais uma vez, agora na terceira parte do livro, Oates caminha calculadamente. Só que agora o texto propõe uma narrativa que oscila entre os instintos mais primitivos e a mensagem pretensamente cifrada. Ocorre que a essa altura o leitor já conhece o vínculo entre os personagens. Assim, é lícito perguntar: será que as cenas que serviriam como acessório não estão funcionando como principal esteio da narrativa? A pergunta soa despropositada quando alcançamos o final do livro, exatamente porque, escritora talentosa, Joyce Carol Oates produz um efeito sem causa. Um romance que tem muito a dizer pela sua qualidade narrativa, mas que, ao final, se constitui pela força do artificialismo.
Leia o texto completo aqui
2 de maio de 2012
Pedro Nava, o narrador da memória
Para a edição de maio do "Rascunho", escrevi um ensaio sobre o escritor-memorialista Pedro Nava, sem dúvida um dos principais autores brasileiros do século XX.
Abaixo, um excerto do texto que está na íntegra no site do "Rascunho":
Se a crônica como gênero literário parece ter sido efetivamente tomada de assalto pelos próceres do jornalismo, a ponto de mesmo os teóricos da comunicação e os professores de literatura na desafiadora missão de formar leitores seqüestrarem o gênero, concedendo apenas uma definição possível a esse texto — a saber: um híbrido entre jornalismo e literatura, tomando emprestado desta o estilo e daquele o assunto —, é melhor não pensar nessa definição estanque ao ler Pedro Nava. Isso porque chamá-lo de cronista, neste caso, é diminuir por demais seu empreendimento estético, haja vista que não é o autor que tenta se moldar aos temas abordados, como que deformando o estilo para comportar a forma. O processo é exatamente inverso. É o tema que se transforma sob sua carpintaria literária, pois, com sua prosa fluida e sofisticada, o escritor envolve o leitor num universo íntimo e pessoal, desses que são capazes de alienar a audiência do mundo sensível que o cerca.
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9 de abril de 2012
Mike Wallace, obituário
Mike Wallace está morto. E, grosso modo, os jornais apenas destacaram de forma laudatória o fato de Wallace ter sido um dos jornalistas mais prestigiados de sua geração (com direito a 21 prêmios Emmy), além de apresentador do grande “60 Minutes”, um modelo exemplar de jornalismo investigativo no século XX.
Se você, leitor, por acaso, não ouviu falar do “60 Minutes”, isso se deve ao fato de que o jornalismo de TV hoje em dia está por demais condenado ao debate ideológico entre democratas e republicanos, como sabe quem acompanha um pouco do embate entre MSNBC e FOX News, para citar um exemplo. Nesse cenário, pundits como Bill Maher, com seu humor caustico, e Bill O`Reilly, com sua argúcia argumentativa, servem bem ao propósito de suas audiências – que não é necessariamente de se informar, mas sim de encontrar eco em seus pontos de vista extremados. Adiante.
A geração de Mike Wallace fazia outra linhagem de jornalismo. Não havia, ali, tanta necessidade de opinião; a retórica não era agressiva; o exemplo máximo de embate político era em torno de questões de fundo; no imaginário da audiência, havia a percepção de que o jornalismo buscava de forma incontestável a verdade. Entre outros programas (poderíamos citar, aqui, O "Meet the Press", com o também já falecido Tim Russert), essa credibilidade era representada por uma atração como o “60 Minutes”. Atualmente, essa percepção está abalada.
Curiosamente, um dos petardos contra a credibilidade desse jornalismo old school veio de dentro. Quem assistiu ao filme “The Insider” entende que as relações perigosas entre público e privado alteraram profundamente a crença de que existia, de fato, uma separação entre “Estado e Igreja”, e o discurso do próprio Wallace, representado nas telas por Christopher Plummer, é singular nesse sentido. Lowell Bergman ficou envaidecido pela versão que Al Pacino lhe deu no cinema, mas o restante da equipe, Mike Wallace incluído, não gostou tanto assim da maneira como o programa foi retratado pelas lentes de Michael Mann, o diretor do filme (e este é assunto para outro texto, sobre o filme “O informante”, que deverei escrever em breve).
O jornalismo do século XXI, principalmente o jornalismo de TV, sofre com baixa adesão de um público, que, mais cínico e supostamente mais informado, entende que as corporações interferem na maneira como as notícias são concebidas. Corrobora para essa tese o fato de que, boa parte dos âncoras aqui e alhures, tão somente atuam como leitores de teleprompter, colocando na mesma balança informação e entretenimento – o mesmo tom grave concedido às tragédias das enchentes no Brasil é utilizado para tratar de uma final de um torneio esportivo. Qual é a diferença? Ora, eis o ponto: para a televisão, não existe essa diferença. É o verdadeiro balcão de secos e molhados.
Agora, a onda é a da falsa polêmica, da controvérsia vazia, do humor com pretensão politicamente incorreto, mas, no limite, falta conteúdo e coragem. Achincalhar e jogar para a torcida parecem a tônica desse humor a favor travestido de jornalismo de atrações como “CQC” ou da indignação dos bons sentimentos de “A Liga”. Em síntese, para pegar leve, esse é um híbrido de jornalismo e reality show, com humor, com lágrimas, mas sem o rigor e a seriedade necessárias que a tradição de "60 Minutes", com todos os seus problemas, deixou como legado.
Mike Wallace morreu. E no dia de sua morte se comemorava no Brasil o dia do jornalista.
3 de abril de 2012
Lima Barreto pede passagem
Eis um trecho da resenha:
"(...) O livro de Luciana Hidalgo presta homenagem à altura ao escritor Lima Barreto, haja vista que a autora também se propõe a escrever de forma clara e lúcida, sem descuidar de certo apuro na forma. É bom que se diga: dos escritores brasileiros contemporâneos, incluindo aí alguns premiados, poucos conseguem manejar o texto em prosa de forma a um só tempo bem elaborada e com recurso de imaginação literária. Dito de outra maneira, embora o tema do livro em si seja bastante pertinente, é pela forma que a narrativa conquista o leitor".
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Em tempo: em abril, o Rascunho comemora 12 anos.
28 de março de 2012
Millôr Fernandes (1924-2012)
Hesitei bastante antes de escrever uma nota sobre Millôr Fernandes, esse autor genial que morreu nesta quarta-feira, dia 28. Isso porque é quase impossível não cair nos clichês numa hora dessas - e, de certa forma, acusar o clichê já é mesmo um lugar-comum.
24 de março de 2012
Camus, sobre a liberdade de imprensa
Albert Camus foi, certamente, um dos principais intelectuais do século XX. Dono de um talento singular, o pensador e romancista franco-argelino assinou obras de valor permanente para a literatura e cultura universais, como "O Estrangeiro"; "A Peste"; sem mencionar os ensaios, como "O Mito de Sísifo"; e peças de teatro, como "Calígula". É um autor, portanto, que merece mais atenção do que um mero post nesse blog/coletânea que mantenho de forma irregular.
De qualquer modo, vale a pena refletir sobre o que o Camus escreveu sobre liberdade de imprensa. Na última semana, o jornal francês Le Monde trouxe um artigo muito apropriado acerca dessa questão. O texto estava num arquivo, ao que parece esquecido, em Aix-en-Provence. Veio à tona a partir do trabalho de Macha Sery. Em síntese, o texto discorre sobre o que Camus considera os quatro mandamentos do jornalista livre: lucidez, recusa, ironia e obstinação.
Abaixo, segue o trecho que reputo como um dos mais brilhantes no artigo. Para o escritor, a ironia era uma arma sem precedentes contra os mais poderosos:
Il reste donc que l'ironie demeure une arme sans précédent contre les trop puissants. Elle complète le refus en ce sens qu'elle permet, non plus derejeter ce qui est faux, mais de dire souvent ce qui est vrai.
Leia o texto completo aqui, na página do Le Monde
Em tempo: a Folha de S.Paulo deste domingo, dia 25/03, traz o texto traduzido para o português brasileiro.
22 de março de 2012
Por uma (outra) história das guerras...
Eis um trecho do texto:
Bell observa como essas tentativas foram importantes para forjar um sentimento antibelicista que, àquela altura, não era natural como em nossos dias. Em tempos como o de hoje, as manifestações que investem na estratégia militar são, geralmente, vilipendiadas pelos formadores de opinião, sendo que nem mesmo as razões de estado são levadas em consideração. Nesse sentido, o livro do historiador pode ser entendido como um excelente inventário da história das ideias no Ocidente, haja vista que a relação entre guerra e discurso político é notável no livro.
Leia a resenha completa aqui.
8 de março de 2012
Alexis de Tocqueville sobre as Revoluções...
É certo que as lembranças de Alexis de Tocqueville, da maneira como estão registradas no livro, dão conta de um cenário bastante específico, aquele que envolve o ambiente político do período da Revolução de 1848. Acerca desse acontecimento, Renato Janine Ribeiro, autor do prefácio e das notas que acompanham o livro, escreveu que se trata da primeira revolução socialista. Nesse particular, é notável observar como o pensador francês estabelece sua pensata sobre os bastidores daquele evento político. Em outras palavras, Tocqueville reconstitui historicamente o que houve na França pré-revolucionária, e, ao mesmo tempo, propõe olhar arguto e analítico dos fatos e dos principais personagens daquele período (...)
Publiquei essa resenha no Rascunho. Leia mais aqui.
1 de março de 2012
Vento Sul, de Vilma Arêas
Eis um trecho do texto
Ao operar no plano simbólico, com efeito, Vilma Arêas ensaia uma literatura que está mais próxima das ficções, na melhor companhia e tradição estabelecida pelo argentino Jorge Luis Borges. Em tempo: não se quer aqui dizer que a autora emula o estilo ou mimetiza o modelo narrativo do escritor argentino (até porque, se assim o fosse, a obra seria apenas uma paródia). O ponto-chave é que o livro de Arêas, de uma só vez, se descola do conto como gênero tradicional, migrando, aí sim, para aquela acepção concebida por Borges.
Leia o texto completo aqui.
Na mesma edição, há uma entrevista com a autora, conduzida por mim e por Rogério Pereira, editor do Rascunho.
No trecho a seguir, Vilma Arêas comenta sobre a instabilidade da classificação dos gêneros (algo que fez com que "Vento Sul" fosse acompanhado da expressão ficções logo na capa):
Definições são sempre convencionais, é difícil ter certeza. Mário de Andrade afirmou que conto é o que o autor chama de conto. Desse ponto de vista, às vezes, escrevo contos, às vezes talvez não. Na verdade, o gênero vem sofrendo mudanças no correr do tempo, principalmente a partir de Tchekhov, que morreu em 1904, com 44 anos. Hoje é considerado no mundo todo, a começar por Virginia Woolf e Katherine Mansfield, que tiveram consciência da profunda revolução no conto tradicional, promovida pelo escritor russo. Mas no início da carreira, vejam só, as revistas devolviam seus trabalhos sob a alegação de que eram desinteressantes
Leia "Vento Forte", a entrevista concedida por Vilma Arêas, aqui.
28 de fevereiro de 2012
Virginia Woolf em duas biografias
Eis o trecho final da resenha:
Num momento em que as informações sobre as trajetórias das personagens históricas estão disponíveis para o leitor com alguns cliques de distância na internet, seja nas enciclopédias virtuais, seja nas páginas pessoais que lotam o tráfego na internet, os livros de Herbert Marder e Alexandra Lemasson, em que pesem suas diferentes abordagens, acabam por se complementar, posto que trazem fundamento para a pesquisa sobre a vida e obra de Virginia Woolf — muito embora apenas o livro de Marder responda de forma mais completa à necessidade de mais uma biografia: ou seja, a análise do autor possibilita ao leitor um mergulho mais profundo, e sem medo (!), na densa obra de Virginia Woolf.
Leia o texto completo aqui.
26 de fevereiro de 2012
Sobre educação
24 de fevereiro de 2012
Uma imagem às sextas - Separação
Adaptando a ideia de um blog que mantive por algum tempo, sejam apresentados à seção "uma imagem às sextas". O princípio é o seguinte: acrescentar pinturas e fotografias que, de alguma forma, sejam pertinentes, tanto pela sua expressividade formal quanto por seu conteúdo (alguns diriam "mensagem"...). Enfim, é para desanuviar a sexta-feira.